terça-feira, 25 de agosto de 2009
Da fome
Tem gente que se alimenta de comida. De música. De amor. De luz. Ela se alimentava de mágoa. Deixava acumular, fingia que perdoava, chorava sozinha e mordia a ponta dos dedos, sentindo toda a mágoa do mundo de uma vez só. E somente quando se cansava muito é que ela conseguia sair da letargia e, por fim, se recuperar. Mas só pelo excesso de mágoa que deixava juntar no peito. Como se no fundo do fundo do poço sem fundo houvesse uma mola que se alimentasse também das dores dela, e somente muito pesada pudesse impulsioná-la para fora. Alimentada de mágoa ela conseguia levantar da cama e organizar a casa, tirar dois quadros da parede, arrumar o banheiro que está há dias esperando o conserto, somente alimentada de mágoa ela sentia que tinha que se reencontrar e, sabe? Viver. Porque sem isso era como se não houvesse fome. E sem fome era como se não houvesse porque levantar da cama depois de dois dias. Ela se enchia de mágoa pra comer o próprio coração.
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